Sessão com Wilton Pinheiro, Product at Amazon, mentor BayBrazil – abril de 2021
História e missão da Plataforma Impact
A empresa foi selecionada para o programa de Impacto BayBrazil e, de abril a agosto de 2021, participou de sessões de mentoria com mentores da rede BayBrazil.
Através da conexão feita por BayBrazil, a Plataform Impact tornou-se parte do programa de aceleração da Latitud, o Latitud Felowship!
Transformando talentos ocultos em engenheiros de sucesso
Gary Carrier, fundador da Plataforma Impact, é um americano de Seattle, Washington, que descobriu a paixão pela cultura latina ainda na infância. Aos 7 anos já sabia falar espanhol, por influência dos amigos mexicanos. Aos 20 anos foi estudar língua portuguesa e ficou fascinado pelo Brasil. Logo após concluir a faculdade de ciências políticas e comunicações decidiu que iria percorrer a América Latina, saindo pelo México até chegar ao Brasil, onde seria seu destino final.
Em terras mexicanas permaneceu por pouco mais de um ano, onde trabalhou como professor de inglês e esteve envolvido em projetos sociais e organizações para pessoas de baixa renda. Depois seguiu para a Colômbia e trabalhou como coordenador de voluntários para uma Organização Não-Governamental (Ong) com atuação em uma favela de Bogotá. Um ano depois decidiu se mudar para o Brasil, e buscou uma oportunidade de trabalhar em projeto social e morar dentro de uma comunidade.
Gary chegou ao Brasil em agosto de 2010 e começou a trabalhar como professor de inglês e espanhol em uma Ong na comunidade da Rocinha, na zona Sul do Rio de Janeiro (RJ).
“Queria ficar só alguns meses, mas me dei conta que estava ficando apaixonado pela cidade e pela comunidade”, conta.
O jovem americano foi até a porta da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em busca de alunos interessados em aulas particulares de inglês e espanhol, para conseguir se manter na Cidade Maravilhosa.
Três anos depois de ter deixado Seattle, Gary percebeu que era hora de fazer algo a mais pelas pessoas.
“Eu pensei: Parabéns, Gary! Você é um homem privilegiado. mas precisa alavancar esse privilégio. Ficar aqui dando aulas de inglês e espanhol para crianças da Rocinha é legal, mas você pode fazer muito mais. Se você quer realmente ajudar e fazer alguma coisa que impacta muitas pessoas, você tem que pensar maior”, diz.
Com um plano em mente, voltou para sua terra natal para fazer um mestrado em investimento com impacto social, na Universidade da Califórnia (UC Berkeley).
“Eu me lancei nessa carreira porque queria controlar o fluxo de dinheiro desde os Estados Unidos até chegar no Brasil. Eu vi a oportunidade de gerar mais impacto, com a minha influência e as minhas experiências”, diz.
Gary gerenciou um portfólio de US$ 14 milhões. O empréstimo nos Estados Unidos foi para trabalho na América Latina, em lugares como Haiti, México e El Salvador, destinado a mulheres empreendedoras de baixa renda. Responsável por gerenciar esse empréstimo, ele passou quatro anos viajando pela América Central. Mas, apesar de estar longe fisicamente, o coração permaneceu na Rocinha.
Toda essa trajetória foi, na verdade, a forma que o americano encontrou para se preparar para lançar a sua própria organização.
“Eu estava me preparando, porque este sempre foi o meu alvo. Então, primeiro trabalhei em campo para depois me lançar ao topo e gerenciar todo esse dinheiro. Depois, fui para operações internacionais. Eu senti muita saudade de operar, porque é ali onde você entende… fala com as pessoas”, explica. “Meu alvo sempre foi lançar a minha própria organização, mas eu queria ter experiência para fazer do jeito certo, porque se eu vou envolver o meu tempo, o tempo dos outros, o meu dinheiro, o dinheiro dos outros, e envolver todas essas pessoas carentes, eu quero ter certeza que meu trabalho vai gerar um impacto bom e não vai falhar”, afirma.
Ao longo desse tempo, Gary voltou várias vezes para a Rocinha – até que descobriu que a ONG tinha fechado por desonestidade do gestor.
“Foi triste porque, por causa de um cara safado, todo mundo iria sofrer”, diz. Pior: esse tipo de conduta é tão comum que as pessoas já não confiam tanto em ONGs e projetos sociais.
Naquele momento, foi indicado a conversar com Viviana Rodrigues, atual administradora da plataforma. Na época, ela era responsável pela escola Criativa, que oferecia aulas de inglês, reforço escolar e fonoaudiologia às crianças da comunidade.
“Viviana me disse que gostaria muito de ter uma sala de informática. Eu gostei da ideia, mas achei que não era suficiente. A gente ensina inglês e informática, mas e depois?”, questiona. “Para mim, é mais importante iluminar a mente das pessoas. Eu ouvi muitas histórias de pessoas que aprenderam inglês fluente e foram trabalhar em hotel ou qualquer outro trabalho de baixo salário. É preciso conectar esses jovens a algo muito maior e que não existe na realidade deles”, explica.
Escassez de talentos x famintos por oportunidades
“É importante lembrar que nós temos como parâmetro as pessoas que estão ao nosso redor. Se quem está ao seu redor não faz muito, é difícil fazer muito, porque você não tem uma medida. Mas se as pessoas que estão ao nosso redor estão fazendo coisas grandes e maravilhosas, você vai querer fazer a mesma coisa.” Essas palavras definem o conceito de Gary para iluminar a mente dos jovens de baixa renda.
Motivado pela ideia de impactar a vida das pessoas, o americano reparou que na Rocinha quase não existe anglo 90 graus.
“Estava na casa da minha família brasileira, tomando banho e olhei pra o chão, olhei para o teto, olhei para o lado e percebi que não tem ângulo 90 graus. Tudo é torto, mas tudo funciona. Tem uma comunidade com mais de 200 mil pessoas e tudo é torto. Quer dizer: uma cidade foi construída na ausência de arquitetos, de engenheiros, de apoio público, mas tudo funciona”, destaca.
Paralelo a isso, o setor de tecnologia, baseado em inovação e tecnologia, precisa de pessoas que pensam fora da caixa – ou seja, que pensam criativamente. O americano enfatiza que existe uma escassez de talentos no setor de tecnologia, em nível mundial, e grandes empresas como Google e Facebook estão dizendo que não importa se a pessoa se formou na faculdade, o que importa é ter habilidade para trabalhar.
“O setor precisa de gente que pensa criativamente. E eu creio que as pessoas que moram nas comunidades já pensam assim. A evidência é a comunidade, que é toda torta. Eles não têm muito recurso, mas acham um jeito. O povo brasileiro, em geral, é um povo muito criativo”, diz.
Pensando no setor de tecnologia que está crescendo cada vez mais e está “faminto por talentos”, Gary enxergou que existem mais de 100 milhões de famílias que moram em comunidades espalhadas por toda a América Latina e que estão “famintas por oportunidades”. E assim, nasceu a Plataforma Impact.
“Para mim, essa é uma grande oportunidade de lançar pessoas fora da pobreza e, ao mesmo tempo, satisfazer o setor que está em busca de talentos. A plataforma é o canal para unir essas duas pontas. Esse é o meu pensamento”, observa.
O objetivo da Plataforma Impact é transformar esses jovens em excelentes engenheiros, quebrando o ciclo de pobreza e transformando a trajetória das gerações futuras: filhos, netos e bisnetos.
“Eu quero que as empresas digam que essas pessoas que vêm da comunidade são engenheiros ótimos. Não quero que digam ‘apesar de virem de uma comunidade’, mas sim ‘porque eles vêm de uma comunidade’. Eu enxergo essas favelas como minas ocultas de talento humano”, explica.
Gary diz que existem muitas vagas de tecnologia no mercado e um monte de pessoas, mas ninguém está olhando para isso.
“A América Latina é a região mais urbana no mundo inteiro. Acho que são 8 em 10 pessoas morando em uma cidade, ou seja, ¼ da população, quase, mora numa favela urbana. O próximo Bill Gates (aquele pensa tão grande assim) está numa favela, com certeza. E isso é a coisa mais fascinante pra mim”, diz.
Por isso, o objetivo de Gary é levar a Plataforma Impact para o mundo inteiro, provando um modelo que é autossustentável e replicá-lo em outras comunidades, outras cidades e outros países. Atualmente, a Plataforma Impact tem mais de 60 alunos, de sete comunidades diferentes.
Tecnologia é a ferramenta que impacta vidas
Gary tem convicção que a tecnologia é a ferramenta perfeita para transformar a vida das pessoas, especialmente pelo salário, já que um Desenvolvedor Júnior entra no mercado de trabalho ganhando mais de quatro salários mínimos (em torno de R$ 4 mil). Apesar disso, a missão não é fácil – a começar pelo ensino de matemática oferecido pelas escolas públicas.
O curso oferecido pela Plataforma Impact é destinado a jovens acima de 16 anos, de baixa renda e tem seis meses de duração (em média). Custaria em torno de R$ 20 mil, no mercado geral – caso o aluno tivesse que custear.
“O programa é dividido em três pilares: capacitação técnica, apoio social e mentoria. O primeiro braço é educação técnica. Começamos com o curso de matemática, que é a base da programação, e inglês. O problema é que às vezes os alunos têm dificuldade em somar porque há um déficit no ensino de matemática na maioria das escolas. Eles entram no programa como parte de times. Aprendem quatro línguas de programação e fazem projetos ao longo do tempo. Ao final dos primeiros seis meses já estão montando seus próprios sites, do zero”, explica.
Embora o currículo esteja totalmente online, o programa é híbrido porque nem sempre o aluno consegue estudar em casa por falta de infraestrutura, como computador e internet. Gary destaca que o jovem tem que estudar muito para crescer profissionalmente, já que não se trata de um “cursinho” ou um “projetinho” – é preciso estudar de 3 a 4 horas diariamente para montar um projeto de programação, além do tempo presencial na sede da plataforma, onde fica o laboratório de informática. Antes de ingressar no programa, o candidato passa por um criterioso processo seletivo, que avalia principalmente o caráter. Após ser aceito, o aluno e seus respectivos pais ou responsáveis assinam um código de conduta, onde são apresentadas todas as expectativas da plataforma.
O segundo braço é o apoio social, que inclui atendimento psicológico duas vezes por semana e bolsa de estudo para quem não tem condições financeiras de se dedicar exclusivamente ao programa. Justamente pelas horas de dedicação ao estudo, alguns alunos recebem uma ajuda financeira de R$ 1 mil.
“A pobreza tem seus próprios desafios. É muito difícil estudar de barriga vazia. Se a gente exige o tempo do aluno, a gente tem que colocar dinheiro no bolso dele. Ele recebe mensalmente um valor para que possa se sustentar”, diz.
Todo jovem entra como parte de um time de até 10 pessoas, liderado por um jedi – que é um aluno com conhecimento mais avançado e que tem a responsabilidade de passar o que já aprendeu aos novatos. Isso gera um ciclo. Todo mundo é aluno e todo mundo é professor, tendo que ajudar o próximo. Após a capacitação técnica, o aluno tem a oportunidade de trabalhar em projetos reais, por meio do estágio (etapa onde estão os jedis). Segundo Gary, os primeiros jedis estão trabalhando em projetos reais, mas o objetivo é que eles sejam consultores profissionais para a plataforma. “Não estamos neste estágio ainda”, afirma.
A mentoria, que é o último braço, tem dois pontos. Gary vem construindo uma rede de mentores que trabalham no setor de tecnologia no Brasil e Estados Unidos. Alguns mentores oferecem palestras sobre suas histórias, contam como é trabalhar no setor e como fazer o sonho se transformar em ação. Outro grupo faz a mentoria individual dos alunos, com uma hora de duração, de uma ou duas vezes por semana.
“É um contato mais íntimo com os alunos e alguns mentores já querem recrutar os nossos jedis para trabalhar nos times deles. É muito gratificante”, comemora Gary.
Durante o programa, o futuro engenheiro também aprende a elaborar o currículo e técnicas de entrevistas.
Diáspora brasileira forma uma rede de conexão
Gary destaca que a Plataforma Impact não é uma organização brasileira e nem uma organização americana, mas sim uma organização internacional, já que o mercado é internacional. Ele explica que muitos brasileiros foram para os Estados Unidos e Europa para trabalhar e, atualmente, têm vontade de ajudar o Brasil. Por isso, a plataforma está usando a diáspora para criar uma comunidade (envolvendo quem trabalha no setor de tecnologia) e se conectar por meio de mentoria, conselho e apoio financeiro para a organização.
“Mundialmente, a maioria das soluções para ajudar os pobres vem de fora. Mas as pessoas que vivem nessas comunidades precisam encabeçar essas soluções, porque eles sabem a realidade. Eles precisam, pelo menos, ter uma voz. Podemos empoderar essas pessoas que moram nessas situações vulneráveis, empoderar com tecnologia, equipamentos e recursos. Além de mudar a trajetória da vida delas, vai ter uma porcentagem que quer voltar para a comunidade e desenvolver soluções para os problemas sociais e ambientais. Quem melhor para desenvolver soluções para a comunidade do que alguém que vem de uma comunidade? Então essa é a minha esperança: que podemos empoderar as pessoas através da tecnologia para buscar suas próprias soluções para a comunidade, utilizando a tecnologia e seu novo poder. Essa é parte da nossa missão. É muito mais do que só inserir pessoas no mercado de trabalho”, explica.
Sessão com Edu Lyra e Lemaestro, Gerando Falcões, mentores BayBrazil – julho de 2021
Programa de Impacto BayBrazil
O fundador da Plataforma Impact diz colheu bons frutos aos participar do programa de Impacto Social do BayBrazil – Bridging Silicon Valley & Brazil.
“As pessoas que a BayBrazil trouxe nos mostrou que o melhor caminho é buscar recursos filantrópicos, e não buscar um investidor típico, como era a ideia inicial”, diz.
Segundo Gary, os profissionais que participaram das mentorias o ajudaram a pensar em como a plataforma irá se manter.
“Esse conhecimento que BayBrazil trouxe foi muito útil porque nos deu clareza de como fechar esses dois anos. Estamos buscando apoio de fundações financeiras para nos sustentar pelos próximos dois anos”, conta.
No início de 2021, Gary investiu recursos próprios, arrecadou fundos da comunidade pessoal e contou com ajuda dos conselheiros, que também arrecadaram dinheiro.
“Ainda é mínimo, mas dá pra gente se sustentar por enquanto. Agora que temos histórias e temos o modelo vai ficar mais fácil vender algo que está acontecendo, do que vender só uma ideia”, diz.
Gary afirma que o ideal seria crescer organicamente, ou seja, utilizar esse ano e o próximo para inserir os primeiros grupos no mercado de trabalho e, consequentemente, provar o modelo de negócio. Dessa forma, a plataforma iria chamar mais atenção e ter mais recursos para contratar os primeiros engenheiros.
“Se tivéssemos 10 engenheiros trabalhando em projetos internacionais daria para gerar uma receita entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão por ano. Isso daria para sustentar toda a operação. Incluindo um instituto de capacitação”, observa. “Ainda não temos um modelo comprovado, e fica muito difícil chamar a atenção de investidores. E nem sabemos se vamos querer”, diz. “Precisamos de um pouco de gás, de combustível no carro para acelerar. Depois o carro vai acelerar por si mesmo, indo pouco a pouco. Por isso estamos buscando dinheiro filantrópico. Temos nossos compromissos com os doadores e, por isso, estamos procurando algo que não é necessariamente para um investidor típico”, afirma.
“Desde que cheguei no Brasil, eu sabia que tinha que fazer algo maior. Eu não quero ser o cara mais rico do cemitério. Eu sei que o dinheiro é importante, mas eu quero fazer algo maior com a minha vida. E esse sentimento de ajudar é viciante. Esse modelo, para mim, é o melhor modelo para transformar vidas. A plataforma é para ajudar milhões de vidas e, por isso, quero levá-la para outros lugares”, diz.
Texto: Rita Fernandes, BayBrazil